Arcadismo
ORIGENS
Se no século XVII, durante o período do Barroco, são construídas igrejas e palácios solenes que causam um misto de respeito e admiração por aquilo que significam - o Poder de Deus e o Poder do Estado - no século XVIII são construídas casas graciosas e belos jardins, anunciando um novo sentido de vida. Ao mármore, ao bronze, ao ouro, preferem-se materiais mais simples. Às cores carregadas das igrejas e dos castelos, preferem-se o pastel, o verde, o rosa. Ao pomposo, se prefere o íntimo e o frívolo. As manifestações artísticas do século XVII (Arcadismo ou Neoclassicismo e Rococó*) refletem a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia, insatisfeitas com o absolutismo real, com a pesada solenidade do Barroco, com as formas sociais de convivência rígidas, artificiais e complicadas.

Voltaire e Rousseau, dois pilares do Século das Luzes, em uma gravura do século XVIII
A relação com o Iluminismo
As mudanças estéticas terão por base uma revolução filosófica: o Iluminismo. Em seu primeiro momento, os iluministas conciliarão os interesses da burguesia com certas parcelas da nobreza, através da celebração do despotismo esclarecido - valorizando reis e príncipes que se cercavam de sábios para gerir os negócios público. Mas o aspecto revolucionário do pensamento de Voltaire, Montesquieu, Diderot e outros é a afirmação de que todas as coisas podem ser compreendidas, resolvidas e decididas pelo poder da razão. Os criadores do Iluminismo (ou Ilustração) já não aceitam o "direito divino dos reis", tampouco a fé cega nos mandatários da Igreja. Qualquer poder ou privilégio precisa ser submetido a uma análise racional. E agora é a razão (e não mais a crença religiosa ) que aparece como sinônimo de verdade. As luzes do esclarecimento ajudam os homens a entender o mundo e a combater preconceitos. As novas idéias assentam um golpe definitivo na visão de mundo barroca, baseada mais no sensitivo do que no racional, mais no religioso do que no civil. Por oposição ao século anterior, procura-se, no século XVIII, simplificar a arte. E esta simplificação se dará na pintura, na música, na literatura e na arquitetura pelo domínio da razão, pela imitação dos clássicos, pela aproximação com a natureza e pela valorização das atividades galantes dos freqüentadores dos salões da nobreza européia.
CARACTERÍSTICAS
1) BUSCA DA SIMPLICIDADE
A fórmula básica do Arcadismo pode ser representada assim:
Verdade = Razão = Simplicidade
Mas se a simplicidade é a essência do movimento - ao avesso da confusão e do retorcimento barroco - como pode o artista ter certeza de que sua obra é integralmente simples? A saída está na imitação (que significa seguir modelos e não copiar), tanto da natureza quanto dos velhos clássicos.
2) IMITAÇÃO DA NATUREZA
Ao contrário do Barroco, que é urbano, há no Arcadismo um retorno à ordem natural. Como na literatura clássica, a natureza adquire um sentido de simplicidade, harmonia e verdade. Cultua-se o "homem natural", isto é, o homem que "imita" a natureza em sua ordenação, em sua serenidade, em seu equilíbrio, e condena-se toda ousadia, extravagância, exacerbação das emoções. O bucolismo (integração serena entre o indivíduo e a paisagem física) torna-se um imperativo social, e os neoclássicos franceses retornam às fontes da antiguidade que definiam a poesia como cópia da natureza.

O pintor francês Watteau é o grande intérprete do refinamento das elites francesas do século XVIII, antes da Revolução. Festas galantes, cenas campestres e referências pastoris constituem o seu universo temático, a exemplo dos textos do Arcadismo
A literatura pastoril
Esta aproximação com o natural se dá por intermédio de uma literatura de caráter pastoril: o Arcadismo é uma festa campestre, representando a descuidada existência de pastores e pastoras na paz do campo, entre ovelhinhas. Porém, essa literatura pastoril não surge da vivência direta da natureza, ao contrário do que aconteceria com os artistas românticos, no século seguinte. Pode-se dizer que uma distância infinita separa os pastores reais dos "pastores" árcades. E que sua poesia campestre é meramente uma convenção, ou seja, uma espécie de modismo de época a que todo escritor deve se submeter. Sendo assim, estes campos, estes pastores e estes rebanhos são artificiais como aqueles cenários de papelão pintado que a gente vê no teatrinho infantil. Não devemos, pois, cobrar dos árcades realismo do cenário e sim atentar para os sentimentos e idéias que eles, porventura, expressem. No exemplo abaixo, de Tomás Antônio Gonzaga, percebemos que o mundo pastoril é apenas um quadro convencional para o poeta refletir sobre o sentido da natureza: Enquanto pasta alegre o manso gado,
minha bela Marília, nos sentemos
à sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
na regular beleza,
Que em tudo quanto vive nos descobre
A sábia natureza.Perdendo suas ligações com a realidade, a obra literária se converterá muitas vezes, num inconseqüente jogo de espíritos ociosos, os quais encontrarão na estilizada natureza pastoril algo como um paraíso perdido.
3) IMITAÇÃO DOS CLÁSSICOS
Detalhe do quadro Passeio em frente ao Jardim Botânico, do espanhol Luis Paret, que cristaliza uma animada cena da vida cortesã, em estilo rococó
Processa-se um retorno ao universo de referências clássicas, que é proporcional à reação antibarroca do movimento. O escritor árcade está preocupado em ser simples, racional, inteligível. E para atingir esses requisitos exige-se a imitação dos autores consagrados da Antiguidade, preferencialmente os pastoris. Diz um árcade português:
O poeta que não seguir os antigos, perderá de todo o caminho, e não poderá jamais alcançar aquela força, energia e majestade com quem nos retratam o formoso e angélico semblante da natureza.
Logo, só a imitação dos clássicos asseguraria a vitalidade, o racionalismo e a simplicidade da manifestação literária. Deduz-se daí que a natureza - principal elemento de sua estética - não é a dos poetas do período, e sim a natureza das Éclogas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito, os dois autores mais imitados pelos árcades.
Observe-se, também, a contínua utilização da mitologia clássica. Esta mitologia, que era um acervo cultural concreto de Grécia, Roma e mesmo do Renascimento, agora se converte apenas num recurso poético de valor duvidoso. Mais outra convenção, tornada obrigatória pelo prestígio dos modelos antigos. A todo momento nos deparamos com deuses e deusas que não têm significado histórico, e tampouco artístico porque suas imagens já foram desgastadas pelo uso excessivo. Eventualmente sobra algum encanto na fantasia mitológica, como nestes versos de Marília de Dirceu:
Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o terno corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.
4) AUSÊNCIA DE SUBJETIVIDADE

Pormenor do quadro de Lancret, Festa Galante, onde predomina uma atmosfera de frivolidade e leve erotismo, bem ao gosto cortesão do século XVIII.
A constante e obrigatória utilização de imagens clássicas tradicionais acaba sedimentando uma poesia despersonalizada. O escritor não anda com o próprio eu. Adota uma forma pastoril: Cláudio Manuel da Costa é Glauceste Satúrnio, Tomás Antônio Gonzaga é Dirceu, Silva Alvarenga é Alcino Palmireno, Basílio da Gama é Termindo Sipílio.
A renúncia à manifestação subjetiva faz parte do "decoro e da dignidade" do homem virtuoso. O poeta deve expressar sentimentos comuns, genéricos, médios, reduzindo suas criações à fórmulas convencionais. O conteúdo passional, a impulsividade e o frenesi íntimo, que costumamos ver no amor, são dissolvidos em pura galanteria, isto é, a paixão normalmente transforma-se num jogo de galanteios.
Quando o poeta declara seu amor à pastora, o faz de uma maneira elegante e discreta, exatamente porque as regras desse jogo exigem o respeito à etiqueta afetiva. Assim, o seu "amor" pode ser apenas um fingimento, um artifício de imagens repetitivas e banalizadas.
Síntese desta época, o romance As ligações perigosas, do francês Choderlos de Laclos, disseca de forma implacável a galanteria. Conquistador profissional, o Visconde de Valmont encara o amor apenas como um processo de sedução:
Possuirei aquela mulher; arrebatá-la-ei do marido que a profana; ousarei tomá-la ao próprio Deus que ela adora. Que delícia ser alternadamente o causador e o vencedor de seus remorsos! Longe de mim a idéia de destruir os preconceitos que a assaltam. Eles aumentarão minha felicidade e minha glória. Que ela acredite na virtude, mas para sacrificá-la a meus pés; que suas faltas a amedrontem sem poder detê-la; e agitada por mil terrores, não possa esquecê-los e dominá-los senão em meus braços. Então consentirei que ela me diga: 'Adoro-te'.
O ARCADISMO NO BRASIL
CONTEXTO HISTÓRICO
A descoberta do ouro na região de Minas Gerais, em fins do século XVII, significa o início de grandes mudanças na sociedade colonial brasileira. A corrida em busca do metal precioso desloca para serras, até então desertas, uma multidão de aventureiros paulistas, baianos e, em seguida, portugueses. A abundância do ouro gera extraordinária riqueza e os primeiros acampamentos de mineiros transformam-se rapidamente em cidades.
Um esquema de abastecimento para as minas é organizado por tropeiros paulistas. Sorocaba, no interior de São Paulo, torna-se o maior centro de transporte das tropas de gado vacum e muar para Minas Gerais. Ali realiza-se uma grande feira, entre maio e agosto, onde se encontram vendedores e compradores de animais e mantimentos. São paulistas ainda os que avançam cada vez mais para o Sul. Primeiro, desenvolvem roças e fazendas de criação bovina na região de Curitiba. Depois, irrompem nos campos da serra e no pampa rio-grandense para capturar o gado que vivia em liberdade (milhões e milhões de cabeças).
Este sistema de abastecimento das cidades mineiras - já que nada se produzia nelas - integra e unifica as várias regiões do Brasil, criando a noção de que poderíamos constituir um país. Por outro lado, a leva de habitantes do reino, que aqui chega, impõe a língua portuguesa como a língua básica, desalojando a "língua geral", baseada no tupi, e que imperava nos sertões e entre os paulistas. Desta forma, adquire-se também uma unidade linguística.
O ouro parece ser suficiente para todos. Enriquece os mineiros, os comerciantes, os tropeiros e, acima de tudo, o reino português. Centenas de toneladas do precioso metal são levadas para o luxo, o desperdício e a ostentação da Corte. Parte considerável deste ouro vai parar na Inglaterra, financiando a Revolução Industrial, na medida em que o domínio comercial dos ingleses sobre a economia portuguesa era absoluto. Contudo, a partir da segunda metade do século XVIII, a produção aurífera começa a cair e as minas dão sinais de esgotamento.
O Período de Pombal
Neste momento histórico, D. José assume o reino e nomeia como primeiro-ministro o Marquês de Pombal, que permanecerá no poder de 1750 a 1777. Típico representante do despotismo esclarecido, Pombal inicia uma série de reformas para salvar Portugal da decadência em que mergulhara desde meados do século XVI. O violento terremoto que destrói Lisboa, em 1755, amplia as necessidades financeiras do tesouro luso e os impostos são brutalmente aumentados.
O reformismo de Pombal enfrenta resistências, e ele decide expulsar os jesuítas dos territórios portugueses, no ano de 1758. Também a parcela da nobreza que se opunha a seus projetos é aprisionada e silenciada. Um grande esforço industrial sacode a pasmaceira da Corte. Monopólios comerciais privados e empreendimentos fabris comandam a tentativa de mudança do modelo econômico. O ouro do Brasil funciona como lastro destas reformas.
A morte de D. José, em 1777, assinala também a queda de Pombal. A sucessora do trono, D. Maria, procura tapar os rombos (cada vez maiores) do Erário Real, aumentando ainda mais a pressão econômica sobre a Colônia. Além dos impostos extorsivos, ela proíbe toda e qualquer atividade industrial em nosso país. Criam-se assim as condições para o surgimento de um sentimento nativista.
A Inconfidência Mineira
O crescente endividamento dos proprietários de minas com a Coroa aumenta o desconforto e a repulsa pelo fisco insaciável. Na consciência de muitos ecoa o sucesso da Independência Americana, de 1776. E também a força subversiva das idéias iluministas - expressas em livros que circulam clandestinamente por Vila Rica e outras cidades. Tudo isso termina por estimular membros das elites e alguns representantes populares ao levante de 1789.
Apenas a traição de Joaquim Silvério impedirá que a Inconfidência Mineira chegue a bom termo. Porém, o martírio de Tiradentes e a participação de poetas árcades (ainda que tênue e por vezes equivocada), no esforço revolucionário, transformam a sedição no episódio de maior grandeza do passado colonial brasileiro.
CONTEXTO CULTURAL
A riqueza gerada pelo ouro amplia espetacularmente a vida urbana em Minas Gerais. Não são apenas aventureiros à cata de pedras preciosas. As novas cidades estimulam serviços e ofícios: uma multidão de carpinteiros, pedreiros, arquitetos, comerciantes, ourives, tecelões, advogados e prostitutas encontram trabalho nestas ruas quase sempre tortuosas e íngremes.
Logo Vila Rica alcança trinta mil habitantes e Portugal apresta-se a montar uma poderosa rede burocrática, capaz de controlar toda a vida social e impedir o contrabando do ouro e a sonegação dos impostos. A necessidade de organização administrativa e a obsessão portuguesa pela aparelhagem estatal levam à nomeação de milhares de funcionários civis e militares.
Este imenso setor público e mais os mineradores e comerciantes enriquecidos, os tropeiros endinheirados, os profissionais liberais e os trabalhadores livres rompem o dualismo senhor-escravo que até então caracterizara a nossa estrutura social. Novas classes aparecem e dão complexidade ao mundo urbano que se forma.
A Função Social da Literatura
A existência citadina (medíocre até o século anterior) aproxima as pessoas através da vizinhança. traduz-se em relações sociais, em concorrência, em novos estímulos. A literatura, a exemplo da música, vai funcionar, nesta circunstância, como elemento de ligação social, de conversação e de prestígio.
Nos saraus - muito comuns na época - pessoas ilustradas vão ouvir recitais de poemas e pequenas peças musicais, emitirão opiniões, trocarão impressões e acabarão constituindo o núcleo de um público regular e permanente, interessado em arte, sobretudo, na arte literária.
Surgem Academias e Arcádias, associações de intelectuais - geralmente poetas - com objetivos e princípios literários comuns. Pela primeira vez, no país, temos uma noção de escola artística, entendida como a articulação de um grupo numeroso de letrados em torno de valores estéticos e ideológicos.
Não se trata mais de fugir da indiferença do meio e preservar uma mesquinha vida cultural. A sociedade urbana começa a estimular e aplaudir os seus artistas: músicos, pintores, escultores, arquitetos e poetas. É claro que estes últimos, por pertencerem ao grupo dominante, recebem as maiores honrarias e distinções.
Devemos assinalar também a existência de ótimas bibliotecas particulares na época. Possuir livros (mesmo que os "subversivos") torna-se indicação de nobreza espiritual e de interesse pelo destino da humanidade. No interessante estudo O diabo na livraria do cônego, Eduardo Frieiro registra que os principais inconfidentes mantinham boa quantidade de volumes em suas casas, embora o dono da maior biblioteca privada fosse o padre Luís Vieira da Silva.
Influenciado por idéias iluministas, este bom cônego guardava oitocentos livros em sua residência, entre dicionários, textos sobre oratória, teoria estética, vida religiosa, etc., e, como não podia deixar de ser, algumas "obras perniciosas", produzidas por adeptos do Século das Luzes.
Sublinhe-se, por fim, que desde o início da colonização até meados do século XVIII, criadores e receptores de obras literárias tinham surgido e desaparecido em ondas dispersas e descontínuas. Explosões de talentos isolados, como Vieira ou Gregório de Matos, aglutinavam em torno de si um número expressivo de ouvintes, possivelmente alguns imitadores, mas não chegavam a estruturar um verdadeiro movimento artístico, com permanência, ressonância, durabilidade. Eram manifestações soltas, fragmentárias, condenadas ao esquecimento das gerações posteriores. Só a partir do Arcadismo se consolidaria o que Antonio Candido chama de "sistema literário".
O Sistema Literário
Entende-se por sistema literário um conjunto de fatores que garante à arte da escrita certa regularidade, certa permanência e certa capacidade de ultrapassar o desaparecimento dos artistas, gerando algo como uma tradição cultural. Os fatores básicos de um sistema literário são:
a) autores;
b) obras: produzidas dentro de um mesmo código lingüístico e perspectivas mais ou menos comuns;
c) público leitor permanente.
Este último constitui o componente essencial do referido sistema. Porque é óbvio que, sem leitores permanentes, nenhuma literatura pode se desenvolver. Através deles se estabelece uma rede de transmissão de idéias, gostos, debates, estímulos, rejeições, experiências e valores estéticos. São eles que criam uma linha de continuidade entre o passado, o presente e o futuro da vida literária de um país.
A Importância do Arcadismo
Durante a vigência do Arcadismo, estabeleceu-se este sistema - embora tímido - e que não mais seria destruído. A partir de então, de forma contínua, autores produziriam obras que seriam consumidas por gerações de leitores. Ou seja, quando o crescimento urbano estrutura o sistema literário, cria também as condições mínimas para o surgimento de uma literatura autônoma.
Claro que o Arcadismo não é o grito de autonomia da literatura brasileira, pois a dependência econômica e política gera também a dependência cultural. Os autores árcades seguem completamente os modelos poéticos em voga nos países imperiais. Neste aspecto, pouco contribuíram para a efetivação de uma arte diferenciada das européias.
Devemos entender, contudo, que a criação de uma literatura não é trabalho de apenas uma geração e sim de várias. E a construção de um incipiente sistema literário durante o Arcadismo, representa o primeiro e decisivo passo no processo de fundação da literatura brasileira.
OS AUTORES DO ARCADISMO (POESIA LÍRICA)
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA (1729 - 1789)
VIDA
Nasceu em Mariana, filho de um rico minerador português. Estudou com os jesuítas no Rio de Janeiro e formou-se em Direito na cidade de Coimbra. Voltando para o Brasil, estabeleceu-se em Vila Rica, exercendo a advocacia. Ocupou altos cargos na máquina burocrática colonial. Quando foi preso por suposta participação na Inconfidência, pela qual manifestara vagas simpatias, era um dos homens mais ricos e poderosos da província. Deprimido e amedrontado, acabou suicidando-se na prisão.
Obras: Obras poéticas (1768), Vila Rica (1839)
Cláudio Manuel da Costa é um curioso caso de poeta de transição. Ele reconhece e admira os princípios estéticos do Arcadismo, aos quais pretende se filiar, mas não consegue vencer as fortes influências barrocas e camonianas que marcaram a sua juventude intelectual. Racionalmente um árcade, emotivamente um barroco, conforme ele mesmo confessa no prólogo de Obras poéticas:
(...) Bastará para te satisfazer, o lembrar-te que a maior parte destas Obras foram compostas ou em Coimbra ou pouco depois (...) tempo em que Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas belas letras. É infelicidade confessar que vejo e aprovo o melhor, mas sigo o contrário na execução.
O poeta admite a contradição que existe entre o ideal poético e a realidade de sua obra. Com efeito, se os poemas estão cheios de pastores - comprovando o projeto de literatura árcade - o seu gosto pela antítese e a preferência pelo soneto indicam a herança de uma tradição que remonta ao Camões lírico e à poesia portuguesa do século XVII.
Aliás, os seus temas são quase sempre barrocos. O desencanto com a vida, a brevidade dolorosa do amor, a rapidez com que todos os sentimentos passam são os motivos principais de sua expressão. Motivos barrocos. Contudo, para o homem barroco do século XVII, havia a perspectiva da divindade. Para o poeta de transição, existe apenas o sofrimento:
Ouvi pois o meu fúnebre lamento
Se é que de compaixão sois animados.
Do sofrimento dos amores perdidos e de sua ânsia em revivê-los, nasce a desolada angústia de alguém que, procurando o objeto de sua paixão, não o encontra:
Nise? Nise? onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!
Ah! Se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido que diz; mas é mentira.
Nise, cuido que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos, penhascos de espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.
Nem ao menos o eco me responde!
Ah! como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?
A todo instante, o autor de Obras poéticas vale-se de antíteses - típico procedimento barroco - para registrar os seus conflitos pessoais. No soneto LXXXIV, temos um belo exemplo de contraste entre a dureza da pedra e a ternura do coração:
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci! Oh, quem cuidara
Que entre penhas * tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!
A síntese admirável desta visão pungente das relações amorosas, é encontrada no soneto XXII: sentado sobre uma rocha, o pastor Fido chora a sua desventura de amor e, num belo jogo de inversões, as lágrimas que derrama fazem brotar um rio na pedra, enquanto ele, cristalizando (eternizando) a sua dor, transforma-se em estátua:
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura
Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro* brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo*
Chorava Fido a sua desventura.
Às lágrimas, a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D'ânsia mortal a cópia derretida;
A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua de dor, se congelava.
*Álamo: árvore de grande porte
*Penha: rocha
*Zéfiro: vento suave
*Penedo: rocha do penhasco
A Pedra como Símbolo

A montanha mineira, a penha, a pedra, o penhasco afloram a todo momento nos poemas de Cláudio Manoel da Costa como um símbolo de um mundo que ele não pode esquecer.
O crítico Antonio Candido mostra que esta preferência por imagens e cenários onde predominam a pedra, a rocha e os penhascos, indica a maior das contradições de Cláudio Manuel da Costa. Educado em Portugal, lá encontra a sua pátria intelectual, lá dialoga com a cultura do Ocidente, lá forja suas concepções artísticas. No entanto, o seu inconsciente está preso a sua pátria afetiva, a pátria das primeiras emoções, da infância e da adolescência. Sua memória gira em torno deste mundo feito das rochas e das pedras de Minas Gerais. Por isso, a todo momento elas afloram em seus poemas europeizados, como símbolos das raízes brasileiras, que ele não quer (ou não consegue) eliminar.
Além do gênero lírico, Cláudio Manuel da Costa tenta a epopéia num poemeto chamado Vila Rica, onde canta a fundação da cidade e procura mostrá-la já incorporada aos padrões civilizatórios europeus. Apesar da influência visível de O Uraguai, de Basílio da Gama, o resultado é de uma mediocridade irremediável.
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA (1744-1810)
Vida: Filho de um magistrado brasileiro, nasceu, no entanto, em Porto, Portugal. A família retornou ao Brasil quando o menino contava sete anos. Aqui estudou com os jesuítas, na cidade da Bahia. Com dezessete anos foi para Coimbra estudar Direito. Por algum tempo exerceu a profissão de advogado em terras portuguesas, mas em 1782 foi nomeado Ouvidor de Vila Rica, capital de Minas Gerais. Ocupou altos cargos jurídicos e em 1787 tratou casamento com Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, a futura Marília. Ele tinha mais de quarenta anos e ela era pouco mais do que uma adolescente. A detenção pelo envolvimento na Conjuração Mineira impediu o enlace. Ficou preso três anos numa prisão no Rio de Janeiro e depois foi condenado a dez anos de degredo em Moçambique. Lá se casou com a filha de um rico traficante de escravos e voltou a ocupar postos importantes na burocracia portuguesa. Morreu no continente africano em 1810.
Obras: Marília de Dirceu (Parte I - 1792; Parte II - 1799; Parte III - 1812), Cartas Chilenas (1845)

Na bela foto de Euler Cássia, uma vista de Ouro Preto. Por essas ruas, os árcades passeavam e também Maria Joaquina Dorotéa, a doce pastora Marília.
Uma das obras líricas mais estimadas e lidas no país, Marília de Dirceu permite duas abordagens igualmente válidas. A primeira mostra-a como o texto árcade por excelência. A segunda aponta para sua dimensão pré-romântica.
O pastoralismo, a galanteria, a clareza, a recusa em intensificar a subjetividade, o racionalismo neoclássico que transforma a vida num caminho fácil para as almas sossegadas, eis alguns dos elementos que configuram o Arcadismo nas liras de Tomás Antônio Gonzaga, especialmente as da primeira parte do livro, produzidas ainda em liberdade
As vinte e três liras iniciais de Marília de Dirceu são autobiográficas dentro dos limites que as regras árcades impõem à confissão pessoal, isto é, o EU não deve expor nada além do permitido pelas convenções da época. Assim um pastor (que é o poeta) celebra, em tom moderadamente apaixonado, as graças da pastora Marília, que conquistou o seu coração:
Tu, Marília, agora vendo
Do Amor o lindo retrato
Contigo estarás dizendo
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto
Que ele foi quem me venceu.
Percebe-se no poema o enquadramento dos impulsos afetivos dentro do amor galante. Estamos longe do passionalismo romântico. A expressão sentimental vale-se de alegorias mitológicas e concentra-se em fórmulas mais ou menos graciosas. Vamos encontrar um conjunto de frases feitas sobre os encantos da amada, sobre as qualidades do pastor Dirceu e sobre a felicidade do futuro relacionamento entre ambos. Conforme o gosto do período, há um esforço para cantar as qualidades da vida em família, do casamento, das módicas alegrias que sustentam um lar.
O Desejo da Vida Comum ("Aurea Mediocritas")
Na verdade, o pastor Dirceu é um pacato funcionário público que sonha com a tranqüilidade do matrimônio, alheio a qualquer sobressalto, certo de que a domesticidade gratificará Marília. Por isso, ele trata de ressaltar a estabilidade de sua situação econômica:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal* e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, frutas, azeite.
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
*Casal: pequena propriedade rústica
Há em Tomás Antônio, o gosto típico do século XVIII pela existência moderada e amena. Hoje, chamaríamos esta perspectiva de pequeno-burguesa. Contudo, o ideal de equilíbrio, compostura e honradez, em seu tempo, é progressista. Enquadra-se no princípio da "aurea mediocritas", da "mediania de ouro", isto é, a aspiração a uma vida comum, uma vida de classe média. Por causa de tal mediania, Dirceu pode afirmar a sua amada - na lira XXVII - as virtudes civis em oposição aos desmedidos heróis guerreiros:
O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto.
Ao imaginar o convívio entre ambos, ele esquece a condição pastoril e afirma orgulhosamente sua verdadeira profissão, ao mesmo tempo que garante à futura esposa o privilégio de não viver a realidade cotidiana brasileira do século XVIII:
Desvios Sensuais
Estando ligado às concepções rígidas do Arcadismo, Tomás Antônio Gonzaga tende à generalização insossa dos sentimentos e ao amor comedido e discreto. Mas há vários momentos, em Marília de Dirceu, que indicam um desejo de confidência e onde aparecem atrevimentos eróticos surpreendentes. São momentos de emoção genuína: o poeta lembra que o tempo passa, que com os anos os corpos se entorpecem, e convoca Marília para o "carpe diem" renascentista:
Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno um brando leito;
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.
O Pré-romântico
A tristeza da prisão domina a segunda e a terceira partes do poema. Há uma tendência maior à confissão. Por outro lado, as convenções arcádicas diminuem e o equilíbrio neoclássico é várias vezes rompido pelo tom de desabafo que percorre o texto.

Marília de Dirceu segundo a visão contemporânea (1957) de Alberto Guignard
Nem sempre a amargura confere vigor poético aos versos, que continuam controlados nas imagens, nos ritmos e na pintura das emoções. Mas, aqui e ali, surgem flagrantes de grande beleza lírica, centrados nos sentimentos de injustiça, de medo do futuro e de medo da morte e, acima de tudo, na lembrança dolorosa de Marília. Estas passagens induziram alguns críticos a considerá-las manifestações de pré-romantismo. Veja-se o exemplo:
Quando em meu mal pondero, Então mais vivamente te diviso: Vejo o teu rosto e escuto A tua voz e riso. Movo ligeiro para o vulto dos passos; Eu beijo a tíbia* luz em vez de face, E aperto sobre o peito em vão os braços.
A Linguagem Singela
Apesar de seus inúmeros defeitos, Marília de Dirceu possui um encanto que mantém cativo os seus leitores: a linguagem simples e aparentemente espontânea. O poeta disfarça o seu esforço na construção da obra, através de um ritmo gracioso, alternando versos de dez e seis sílabas (decassílabos e hexassílabos). Usa também uma espécie de rima quebrada, combinado o segundo e o quarto versos, enquanto os outros são brancos. Vale-se, por vezes, do refrão e foge de todo e qualquer ornamento retórico de origem barroca. Mesmo quando as imagens clássicas tornam as liras afetadas e artificiais, o estilo continua simples, direto, envolvente.
Cartas chilenas
Sob o pseudônimo de Critilo, Tomás Antônio Gonzaga ironiza nas Cartas chilenas a prepotência e os desmandos do governador Luís da Cunha Meneses, apelidado no texto de Fanfarrão Minésio.
Ainda há algumas dúvidas a respeito da autoria desta obra satírica, mas todos os indícios apontam para o autor de Marília de Dirceu. O que já se tornou consenso é o caráter pessoal dos ataques, não havendo nenhuma insinuação nativista ou desejo de sublevação revolucionária nos mesmos.
SILVA ALVARENGA (1749-1814)
Vida
Nasceu em Vila Rica, filho de um músico mulato. Fez Humanidades no Rio e estudou em Coimbra. Ardoroso defensor de Pombal, escreveu um poema heróico-cômico, O desertor, para exaltar as reformas do primeiro-ministro. Voltou ao Brasil em 1776 e continuou fiel as suas idéias iluministas. Mudou-se de Vila Rica para o Rio de Janeiro, onde animou uma importante sociedade literária. Suspeito de conspiração, foi detido, em 1794, permanecendo preso por três anos até receber o indulto real. Dois anos após, publicou Glaura. Morreu no Rio de Janeiro.
Obra: Glaura (1799)
Identificado com a filosofia da Ilustração, a exemplo de outros árcades, Manuel Inácio da Silva Alvarenga, em Glaura, também cultiva uma lírica de inspiração galante. Trata-se de um poema composto por rondós* e madrigais*, onde o poeta (Alcindo Palmireno) louva a pastora Glaura, que a princípio parece se esquivar desse canto amoroso. O sofrimento de Alcindo acabará sendo recompensado pela retribuição do afeto, porém Glaura morrerá em seguida, deixando o pastor imerso em depressão.
Segundo alguns críticos, o refinamento da galanteria e a lânguida musicalidade inseririam o texto numa linha rococó. Segundo outros, a dicção sentimental revelaria traços pré-românticos. O certo é que, apesar do encanto melodioso de alguns rondós, Silva Alvarenga é um poeta de superfície:
Carinhosa e doce, ó Glaura,
Vem esta aura lisonjeira,
E a mangueira já florida
Nos convida a respirar.
Sobre a relva o sol doirado
Bebe as lágrimas da Aurora,
E suave os dons de Flora
Neste prado vê brotar.
*Rondó: composição poética com estribilho constante.
*Madrigal: composição poética galante e musical.
POESIA ÉPICA
BASÍLIO DA GAMA (1741 -1795)
Vida
Basílio da Gama nasceu em Minas Gerais e, órfão, foi para o Rio de Janeiro estudar em colégio de jesuítas. Estava para professar na Companhia quando ela foi dissolvida por ordem de Pombal. Abandonou-a e, após um tempo em Roma, foi para Portugal, a fim de freqüentar a Universidade de Coimbra. Preso por suspeita de "atividades jesuíticas", salvou-se do desterro dirigindo um poema de louvor à filha do Marquês de Pombal. Este se tornaria seu protetor, especialmente depois da publicação de O Uraguai, em 1769, que colocava o autor dentro dos padrões ideológicos do Iluminismo.
Obra: O Uraguai
O esforço neoclássico do século XVIII leva alguns autores a sonhar com a possibilidade de um retorno ao sentido épico do mundo antigo. No entanto, numa era onde as concepções burguesas, o racionalismo e a Ilustração triunfam, o heroísmo guerreiro ou aventureiro parecem irremediavelmente fora de moda. A epopéia ressurge, é verdade, mas quase como farsa.
Compare-se, por exemplo, a grandeza do assunto de Os Lusíadas - os notáveis descobrimentos de Vasco da Gama - com o mesquinho tema de O Uraguai - a tomada das Missões jesuíticas do Rio Grande do Sul pela expedição punitiva de Gomes Freire de Andrade, em 1756 - para se ter uma idéia das diferenças que separam as duas obras.
A Estrutura do Poema

Índios missioneiros arrebanhando cavalos com boleadeiras.
A pobreza temática impele Basílio da Gama a substituir o modelo camoniano de dez cantos por um poema épico de apenas cinco cantos, constituídos por versos brancos, ou seja, versos sem rimas. O enredo situa-se todo em torno dos eventos expedicionários e de um caso de amor e morte no reduto missioneiro:
No primeiro canto, Gomes Freire fala a respeito dos motivos da expedição. No segundo, trava-se a batalha entre conquistadores e índios, com a derrota dos últimos, apesar da valentia de seus principais chefes, Cacambo e Sepé. No terceiro canto, por motivos que o autor não aponta, Cacambo é preso e envenenado pelo jesuíta Balda. No quarto canto, tudo se esclarece: Balda queria casar o índio Baldeta, seu protegido e, provavelmente, seu filho, com Lindóia, esposa de Cacambo, mas ela prefere se deixar picar por uma serpente e morre. No último canto, temos a vitória final da expedição luso-espanhola e a descrição do templo central das Missões.
Narrativa Dramática e Lírica

As ruínas do templo de São Miguel testemunham a dimensão da sociedade criada por índios e jesuítas e revelam simultaneamente a brutalidade dos impérios ibéricos. A ambigüidade de Basílio da Gama sobre o assunto, em O Uraguai, é visível.
O curioso é que, fracassando como epopéia, o poema narrativo de Basílio da Gama tem passagens de excelente força dramática e lírica. De longe a cena mais conhecida de O Uraguai é a da morte da jovem Lindóia, que se suicida para fugir a um casamento indesejado. Quer dizer, o momento supremo do texto é lírico e não épico:
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece,
Tanto era bela no seu rosto a morte!
Além disso, a apologia das façanhas de Gomes Freire de Andrade e seus soldados, que invadem e conquistam as reduções missioneiras para o cumprimento do tratado de Madri, de 1750, é a parte mais fraca do poema. Percebe-se aí a louvação implícita ao Marquês de Pombal, responsável pela ação destruidora e símbolo da ordenação racional européia. (O livro, aliás, é dedicado ao irmão do primeiro-ministro). Só que o efeito deste expansionismo do Império é o apocalipse dos Sete Povos das Missões como já se vê nos versos iniciais do primeiro canto:
Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangues tépidos e impuros,
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilharia.
Imperialismo Europeu versus Civilização Natural
O choque das intenções racionalistas da Europa e o primitivismo americano torna-se melancólico (e portanto, não-épico) quando o general Gomes Freire dialoga com os chefes indígenas, Cacambo e Sepé. O ponto-de-vista de Basílio da Gama diante da conversa entre os inimigos revela-se paradoxal: em termos ideológicos, ele se coloca ao lado dos europeus mas, em termos sentimentais, simpatiza com os índios.
Esta ambigüidade manifesta-se na argumentação dos dois lados em confronto. A justificativa do oficial branco, embora coerente, nos remete para a hipocrisia de todos os discursos imperialistas:
O rei é vosso pai: quer-vos felizes.
Sois livres, como eu sou; e sereis livres,
Não sendo aqui, em qualquer outra parte.
Mas deveis entregar-nos estas terras.
Ao bem público cede o bem privado.
O sossego da Europa assim o pede.
Assim o manda o rei. Vós sois rebeldes,
Se não obedeceis; mas os rebeldes
Eu sei que não sois vós - são os bons padres,
Que vos dizem a todos que sois livres,
E se servem de vós como de escravos,
E armados de orações vos põem no campo.
Já as razões de Cacambo são muito mais convincentes que as dos conquistadores. O sopro épico que o autor pretende insuflar nos soldados imperiais dissolve-se diante do lamento indígena, que mescla genuína revolta e pesar pela chegada dos europeus no Novo Mundo, incluindo-se aí guerreiros e padres:
(...)Se o rei de Espanha
Ao teu rei quer dar terras com mão larga,
Que lhe dê Buenos Aires e Corrientes,
E outras, que tem por estes vastos climas;
Porém não pode dar-lhe os nossos povos (...)
Gentes de Europa, nunca vos trouxera
O mar e o vento a nós. Ah! não debalde
Estendeu entre nós a natureza
Todo esse plano espaço imenso de águas.
Interrompendo Cacambo, o guerreiro Sepé reafirma a resistência e espera o julgamento do próprio mundo europeu a respeito de quem representa o lado justo:
Que estas terras que pisas, o Céu livres
Deu aos nossos avós; nós também livres
As recebemos dos antepassados.
Livres as hão de herdar os nossos filhos.
Desconhecemos, detestamos jugo,
Que não seja o do Céu, por mão dos padres.
As frechas partirão nossas contendas
Dentro de pouco tempo; e o vosso Mundo,
Se nele um resto houver de humanidade,
Julgará entre nós; se defendemos
Tu a injustiça, e nós o Deus, e a Pátria.
A contradição que envolve Basílio da Gama por glorificar tanto o conquistador quanto o índio missioneiro é equacionada pela crítica feroz a um terceiro elemento: o jesuíta. Já no poema, o único jesuíta que aparece, padre Balda, é ambicioso e pérfido. Não satisfeito, o autor se vale de notas explicativas em profusão, nas quais acusa os padres como responsáveis pelo conflito.
O Indianismo
A crítica se divide a respeito do indianismo do autor. Alguns assinalam a presença de um forte sentido antieuropeu neste indianismo, porém a maioria inclina-se a ver em O Uraguai apenas pastores árcades travestidos de indígenas. E a repulsa dos mesmos aos desígnios dos governos europeus, de acordo com o poema e com as intenções do escritor, não seria motivada por qualquer nacionalismo. Seria apenas a rejeição do "homem natural" do Arcadismo ao mundo urbano. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que O Uraguai será retomado pelos românticos como um precursor do indianismo do século XIX.

SANTA RITA DURÃO (1722-1784)
Vida
Nascido em Mariana, estudou no Colégio dos Jesuítas na Rio de Janeiro até os dez anos, partindo depois para a Europa, onde se tornaria padre agostiniano. Durante o governo de Pombal, foi perseguido e abandonou Portugal. Trabalhou em Roma como bibliotecário até a queda de seu grande inimigo, retornando então ao país luso. Ao Brasil não voltaria mais, e sua epopéia é uma forma de demonstrar que ainda tinha lembranças de sua terra natal.
Obra: Caramuru (1781)
O poema épico Caramuru é publicado doze anos depois de O Uraguai, contudo não existe uma continuidade entre ambos. Nem formal, nem ideológica. Ao contrário de Basílio da Gama, admirador de Pombal, Santa Rita Durão lembra o período pombalino como uma época de horrores. Assim, a visão anti-jesuítica de seu antecessor cede lugar a uma narrativa de inspiração religiosa.
Também ao inverso de Basílio da Gama, que procurou inovar usando versos brancos e dividindo o poema em apenas cinco cantos, o bom frei segue rigidamente o modelo camoniano de Os Lusíadas. Realiza seu poema em dez cantos, com estrofes de oito versos decassílabos e rimados. Sua pretensão, tão maiúscula quanto a sua falta de criatividade, é compor uma obra-síntese sobre a colonização do Brasil:
Os sucessos do Brasil não mereceriam menos um poema que os da Índia. Incitou-me a escrever este, o amor pela Pátria.
Resumo
O poema narra a história (lenda?) do aventureiro Diogo Álvares Correia, que naufraga na costa da Bahia, no século XVI, sendo recolhido por índios. Ele os maravilha com sua espingarda, procurando depois catequizá-los e colonizá-los. Esta junção do herói português com o herói católico é representado pelo desejo de Caramuru em desposar uma jovem indígena e assim sacramentar a união entre os nativos e os conquistadores.
Noiva então com a casta Paraguaçu, filha de um cacique e, como não há padres para efetivar o matrimônio, os noivos embarcam, ainda puros, numa caravela francesa, rumo à Europa. Lá, a exótica dupla dos trópicos vai deslumbrar a requintada Corte da França.
Na partida do litoral brasileiro, ocorre a cena mais famosa de Caramuru: jovens indígenas apaixonadas pelo "filho do trovão" nadam em desespero atrás do navio, suplicando que o herói não se fosse. Em certo momento, já debilitadas resolvem retornar à terra. Uma indígena, entretanto, prefere morrer a perder de vista o homem branco. É Moema, que vai perecer tragada pelas ondas:
Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Com a mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas* escumas desce ao fundo:
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo:
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa
E sem mais vista ser, sorveu-se n'água.
*Salsas: salgadas
Como o tema era pobre em demasia, Santa Rita Durão enche os dez cantos do Caramuru com "guerras, visões da história do Brasil dos séculos XVI a XVIII, viagens, festas na Corte, etc." O resultado dessa mistura é uma obra prolixa, onde os episódios se atropelam sem unidade, dissolvendo qualquer possibilidade de significado épico.
Uma Epopéia Medíocre
Caramuru é o elogio do trabalho de colonização e de catequese do europeu, especialmente da ação civilizadora do português. Mesmo não sendo padre, Diogo Álvares está interessado em conduzir o índio ao caminho do cristianismo. Este é o seu principal objetivo. Inexiste em Santa Rita Durão aquela fascinante ambigüidade com que Basílio da Gama trata o relacionamento entre brancos e nativos. Seu poema, além de monótono, é banal.
Trata-se de uma epopéia anacrônica, escrita por alguém que, vivendo longe do Brasil desde a infância, armazena toda a bibliografia existente a respeito de sua terra. Ele quer conferir ao Caramuru uma atmosfera fidedigna e objetiva, o que infelizmente não consegue.
E mesmo que os seus índios sejam retratados de forma um pouco mais realista que os de Basílio da Gama, há ainda na sua visão um pesado tributo aos preconceitos da época. A descrição da "doce Paraguaçu", por exemplo, contraria todo o princípio da realidade fisionômica e da cor dos indígenas. Ela é sem dúvida uma moça branca:
Paraguaçu gentil (tal nome teve),
Bem diversa de gente tão nojosa,
De cor tão alva como a branca neve,
E donde não é neve, era de rosa;
O nariz natural, boca mui breve,
Olhos de bela luz, testa espaçosa.

(1768-1808)
As formas artísticas do Barroco já se encontram desgastadas e decadentes. O fortalecimento político da burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um novo quadro sócio político-cultural, que necessita de outras fórmulas de expressão. Combate-se a mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma. Conhecida como Arcadismo, uma influência que inspirava-se na lendária região da Grécia antiga, já chegava à Itália . No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias Arcadismos, simulação pastoral, ambiente campestre, etc. Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes. A primeira obra do arcadismo foi feita em 1768, denominada Obras Poéticas, de Cláudio M. da Costa.
Características do Arcadismo
A ausência de subjetividade, o racionalismo, o soneto (forma poética), simplicidade, pseudônimos e bucolismo (natureza) e o neoclassicismo são umas das características do Arcadismo, disposta a fazer valer a simplicidade perdida no Barroco. Entre outros:
Fugere urbem
Os árcades buscavam uma vida simples, bucólica, longe do burburinho citadino.
Inutilia truncar
A frase em latim resume grande parte da estética árcade. Ela significa que "as inutilidades devem ser banidas" e vai ao encontro do desprezo pelo exagero e pelo rebuscamento, característicos do Barroco.
Carpe diem
Aproveitar o dia, viver o momento presente com grande intensidade, foi uma atitude inteiramente assumida por esses poetas.
Poetas da Inconfidência Mineira
Não existiu, no Brasil, uma Arcádia, como em Portugal. Um vigoroso grupo intelectual (o grupo mineiro) destacou-se na arte Arcadismo e na prática política, participando ativamente da Inconfidência Mineira. Esse grupo, constituído por Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e outros intelectuais, foi desfeito de forma violenta, com a prisão, desterro ou morte de alguns poetas, à época da repressão política em torno do episódio da Inconfidência. Com os olhos voltados para a terra natal, esses poetas árcades iniciaram o período de transformação da literatura brasileira, que se vai efetivar, realmente, no século XIX, com os românticos. Tomás Antônio Gonzaga escreveu Marília de Dirceu, uma poesia lírica, e Cartas Chilenas, poesia satírica. Cláudio Manoel da Costa inspirou-se em Camões para escrever Obras Poéticas. Silva Alvarenga fez obras em forma clássica. Outros poetas como Basílio da Gama (O Uraguai) e Frei Santa Rita Durão (Caramuru) aparecem neste cenário.
EXEMPLO DE
Obras Poéticas, de Cláudio M. da Costa.
Soneto
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci: oh quem cuidara.
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza.
Amor, que vence os Tigres, por empresa
Tomou logo render-me, ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pode fugir ao cego engano:
Vós, que ostentais a condição mais dura.
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
Tomás Antônio Gonzaga
Marília de Dirceu, Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Irás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Enquanto a luta jogam os Pastores,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Depois de nos ferir a mão da morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastores:
"Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Siga os exemplos, que nos deram estes."
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Basílio da Gama
O Uruguai (fragmentos)
"O rei é vosso pai: quer-vos felizes.
Sois livres, como eu sou; e sereis livres.
Não sendo aqui, em qualquer outra parte.
Mas deveis entregar-nos estas terras.
Ao bem público cede o bem privado.
O sossego da Europa assim pede.
Assim o manda o rei. Vós sois rebeldes,
Se não obedeceis; mas os rebeldes
Eu sei que não sois vós - são os "bons" padres,
Que vos dizem a todos que sois livres,
E se servem de vós como de escravos,
E armados de orações vos põem no campo."
Os trechos abaixo pertencem a Cacambo, chefe guarani:
"...Se o rei da Espanha
Ao teu rei quer dar terras com mão larga
Que lhe dê Buenos Aires e Corrientes.
E outras, que tem por estes vastos climas;
Porém não pode dar-lhe os nossos povos (...)"
"Gentes de Europa, nunca vos trouxera
O mar e o vento a nós. Ah! não debalde
Estendeu entre nós a natureza
Todo esse plano espaço imenso de águas."
O trecho abaixo refere-se à expressão doce de Lindóia, já morta:
"Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste.
Que os corações mais duros enternece,
Tanto era bela no seu rosto a morte!"
Santa Rita Durão
Caramuru (fragmentos)
"Só tu tutelar anjo, que o acompanhas,
Sabes quanta virtude ali se arrisca
Essas fúrias da paixão, que acende, estranhas
Essa de insano amor doce faísca
ânsia no coração sentiu tamanhas
Que houvera de perder-se naqu’hora
Se não fora cristão, se herói fora."
"Paraguaçu gentil (tal nome teve),
Bem diversa de gente tão nojosa,
De cor tão alva como a branca neve,
E donde não é neve, era de rosa;
O nariz natural, boca mui breve
Olhos de bela luz, testa espaçosa."
ARCADISMO
"Lede que é tempo os clássicos honrados,
Herdei seus bens, herdei essas conquistas."
(Filinto Elísio -árcade portugês)
Em Portugal. o Arcadismo terá início em 1756, data da fundação da Arcádia Lusitana, e perdurará até 1825, data da publicação do poema Camões, de Almeida Garrett;
No Brasil, irá de 1768, com a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa, até 1836, quando Gonçalves de Magalhães publicando Suspiros Poéticos e Saudades, inicia o Romantismo.
O estilo Árcade reagirá contra os excessos do Barroco preconizando a restauração dos ideais clássicos, impregnando linguagem poética de simplicidade e racionalismo, a exemplo dos modelos greco-latinos. Neste contexto, o estilo também é conhecido pelo nome de Neoclassismo; quando reflete as inquietações que preparavam a eclosão do Romantismo, não será incorreto rotulá-lo Pré-Romântico.
Uma importante transformação cultural ocorrerá em terras européias principalmente a partir da segunda metade do século XVIII. As idéias religiosas, retrógradas e medievais, reagirão os ideais Racionalistas e lluministas, que valorizarão o saber a razão e a inteligência. Este clima de renovação fortalecerá os ideais burgueses em detrimento dos aristocráticos, e prepararão a sociedade para o climax libertário que se espalharia em seguida (queda da Bastilha. Independência dos E.E.U.U.). As cidades se desenvolvem e são detectados os primeiros indícios de êxodo rural. Jean Jacques Rousseau, filósofo fancês, em sua obra Emílio, dirá que o homem precisa crescer em contato com o campo, já que apenas nele poderá permanecer puro e natural. É a teoria do bom selvagem, que justificaria o "fugere urberm” preconizado nos poemas da escola. Esta onda de transformações chegará a Portugal, onde reina D.José, mas governa o Marquês de Pombal, que procurará modernizar a sociedade portuguesa, expulsando os jesuítas do sistema educacional português.
Esta atitude, em 1756 passou para a história conhecida como Laicização Culturai, já que, em lugar dos jesuítas, leigos passaram a tomar conta do ensino. Foi quando as obras clássicas foram revalorizadas. Horácio, Teócrito, Virgílio entre outros gregos, foram interpretados, traduzidos e divulgados.
Arcadismo vem de Arcádia - uma lendária região grega,dominada pelo deus Pan, habitada por pastores que cultivavam a música, a poesia e a natureza.
Características do estilo
Simplicidade e equilíbrio
Os árcades propunham a restauração da simplicidade na linguagem propondo o abandono de antíteses, metáforas ousadas, paradoxos e ordem inversa, dando preferência pela ordem direta.
Bucolismo e pastorolismo
A adesão ao conceito aristotélico de que a arte concebida oas pastores são tomados como modelos e paisagens tipicamente campestres serão evocadas. A fidelidade a este preceito fez com que os poetas adotassem pseudônimos pastoris. Assim, Cláudio Manuel da Costa será Glauceste (Alceste) Satúrnio: Tomás Antônio Gonzaga será Dirceu; Basilio da Gama, Termindo Sepílio; o português Bocage, Elmano Sadino, etc.
Valorização do tempo presente
A concepção epicurista "Carpe diem", tão presente principalmente em Tomás Antônio Gonzaga, no Brasil, a exploração da paisagem nacional, distante do padrão europeu, notadamente em Cláudio Manuel da Costa e Basilio da Gama, impregnará o arcadismo de nativismo.
lncorporação da mitologia
Como conseqüência da retomada da tradição ciássica, a poesia árcade faz freqüentes alusões aos deuses da mitologia e aos heróis da história grega.Em Basilio da Gama, o elemento mitológico será substituído pelo fetichismo indígena.
ARCADISMO
CONTEXTO HISTÓRICO
Em meados do século XVIII, a Europa passou por uma importante transformação cultural, marcando a decadência do pensamento barroco. A burguesia inglesa e francesa, impulsionada pelo controle do comércio ultramarino, cresceu, dominando a economia do Estado. Em contrapartida, a nobreza e o clero, com seus ideais retrógrados, caíram em descrédito.
A ideologia burguesa culta, sustentada na crítica à velha nobreza e aos religiosos, propagou-se por toda Europa, sobretudo na França, onde foram publicados O Espírito das Leis (1748), de Montesquieu, e o primeiro volume da Enciclopédia (1751), que tem à frente Diderot, Montesquieu e Voltaire. As idéias desses enciclopedistas, defensores de um governo burguês e do ideal do "bom selvagem", de Rousseau - "o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe, devendo, portanto, retornar para a natureza"-, impulsionaram o desenvolvimento das ciências, valorizando a razão como agente propulsor do progresso social e cultural. A burguesia, em oposição ao exagero cultista barroco, voltou-se para as questões mundanas e simples, relegando a religião a um segundo plano. Sua arte emergente caracterizou-se pela volta à simplicidade clássica.
Esse movimento, chamado Iluminismo, espalhou-se pela Europa, influenciando Portugal. Marquês de Pombal, ministro de D. José I, com o propósito de colocar o país em dia com o progresso Europeu, executou a tarefa de renovação cultural, expulsando os jesuítas, em 1759. O ensino, monopólio do clero, tornou-se então leigo. Fundaram-se escolas e academias, e Portugal passou a respirar um clima de novidade e de mudanças na arte, ciência e filosofia.
No século XVIII, o Brasil passou por mudanças importantes: a cultura jesuítica começou a dar lugar ao Neoclassicismo; Rio de Janeiro e Minas Gerais destacaram-se como centros de relevância política, econômica, social e cultural; foi crescente o número de estudantes brasileiros, que se expuseram às influências dos novos ideais e tendências, em universidades da Europa.
Conseqüentemente, o Iluminismo e os acontecimentos que abalaram a ordem política e social do Ocidente - Independência Norte Americana e Revolução Francesa - tiveram ampla repercussão no crescente sentimento nativista brasileiro e no descontentamento reinante, provindo da área de mineração. Vila Rica, em Minas, foi berço dos principais acontecimentos setecentistas, surgindo os poetas do Arcadismo e a Inconfidência.
CARACTERÍSTICAS
Nesse panorama iluminista de renovação cultural, da segunda metade do século XVIII, nasce uma nova estética poética: O Arcadismo, também denominado Setecentimo ou Neoclassicismo, que se posiciona contra a exuberância e problemas metafísicos do Barroco e propõe uma literatura mais equilibrada e espontânea, buscando harmonia na pureza e na simplicidade das formas clássicas greco-latinas. A frase latina: Inutilia truncat ("as inutilidades devem ser banidas") resume tal posição. Outros temas clássicos são Fugere urbem ("fugir da cidade"), Locus amoenus ("local ameno"), Carpe diem("aproveitar o momento") e Aurea mediocritas ("mediocridade do ouro"). A teoria do "bom selvagem" de Rousseau, por sua vez, traduzem a postura árcade.
Os poetas arcádicos, angustiados com os problemas urbanos e o progresso científico, propõem a volta à simplicidade da vida no campo e o aproveitamento do momento presente. Embora citadinos, recriam, em seus versos, paisagens bucólicas de outras épocas, verdadeiros fingimentos poéticos, usando pseudônimos gregos e latinos, imaginando-se pastores e pastoras amorosos, numa vida saudável idealizada, sem luxo e em pleno contato com a natureza. A poesia árcade se realiza através do soneto, com versos decassílabos e a rima optativa, e a tradição do épico, retomando os modelos do Classicismo do século XVI. A estética inovadora viria posteriormente com o Romantismo, que vai procurar criar uma nova linguagem, capaz de refletir os ideais nacionalistas, uma de suas características essenciais.
Também chamado de Escola Mineira, o Arcadismo no Brasil segue os moldes portugueses, resultando em uma poesia refinada que, ao se utilizar da paisagem mineira como cenário bucólico para os pastores, valoriza as coisas da terra, revelando um forte sentimento nativista. A presença do índio na poesia reflete o ideal do "bom selvagem" e dá ao Arcadismo brasileiro um tom diferente do europeu. Outra característica bem distinta do Arcadismo aqui realizado é a sátira política aos tempos de opressão portuguesa e da corrupção dos governos coloniais.
O Arcadismo no Brasil é estabelecido por um grupo de intelectuais e a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa , marca o início do movimento. A atuação do grupo cessa com o fim trágico da Inconfidência, em 1789. Há controvérsia sobre a existência da Arcádia Ultramarina, instituída, em 1768, por Cláudio Manuel da Costa, nos moldes da Arcádia Lusitana. Entretanto, mesmo que não tenha havido tal Academia, há evidências de que, pelo menos, praticava-se o Arcadismo.
ARCADISMO NO BRASIL
Começa com a publicação, em 1768, das Obras poéticas, de Cláudio Manuel da Costa, membro do "grupo mineiro", que, juntamente com Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga, tenta adequar as propostas do neoclassicismo europeu às condições de vida e à temática brasileira. Embora produza uma poesia essencialmente lírica e bucólica – à exceção de Gonzaga, autor também das Cartas chilenas, mordaz sátira política –, o grupo tem, em nível pessoal, envolvimento na Inconfidência Mineira.
A poesia épica, de inspiração camoniana, dos também mineiros Basílio da Gama (O Uraguai) e José de Santa Rita Durão (Caramuru), não recorre às alegorias mitológicas convencionais, distancia-se do bucolismo predominante na época e contém elementos precursores do indianismo. No Rio de Janeiro, Domingos Caldas Barbosa faz, com a coleção de cantigas Viola de Lereno, uma poesia de sabor popular.
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) nasce em Minas Gerais. Estuda direito em Portugal e de volta ao Brasil exerce a advocacia e administra as terras herdadas. Preso e interrogado sobre seu envolvimento na Inconfidência Mineira, é encontrado morto na cela, o que é aceito como suicídio. É considerado o mentor dos outros arcadistas mineiros. Suas primeiras poesias têm ainda influência do barroco, especialmente as da fase portuguesa. Além dos poemas bucólicos, onde a natureza é confidente das questões amorosas, faz também poesia narrativa.
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810?), poeta brasileiro nascido em Portugal, estuda direito na Universidade de Coimbra. No Brasil, participa do grupo de poetas que tinha como mestre Cláudio Manuel da Costa. É detido em 1789 como participante da Inconfidência Mineira e passa três anos na prisão, no Rio de Janeiro. A pena perpétua é comutada para degredo e ele embarca para Moçambique. Em Marília de Dirceu, fala do seu amor por Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, a Marília dos poemas. Nas Cartas Chilenas, satiriza o governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses.
Resumo
O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo, caracteriza-se pela busca de restauração dos ideais de sobriedade e equilíbrio da antiguidade clássica em contraposição aos excessos do período anterior, o Barroco. O movimento é contemporâneo do Iluminismo, corrente de pensamento racionalista que se divulgou pela Europa no século XVIII e que culminou com a Revolução Francesa, em 1789. Associações de letrados como a Arcádia Romana e, mais tarde, a Arcádia Lusitana foram veículos importantes para a propagação do ideário do movimento na Europa. O nome "Arcádia" é inspirado na região lendária da Grécia que representa o ideal de comunhão entre homem e natureza, daí o Arcadismo ter como tema privilegiado o bucolismo, em que a natureza é vista como refúgio último das noções de verdade e beleza.
No Brasil, os poetas que melhor representam o movimento são Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, autor de Marília de Dirceu. Ambos participaram da Inconfidência Mineira, movimento político que visava a emancipação do Brasil em relação a Portugal. Os poemas laudatórios de Basílio da Gama e a produção poética de Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga também apresentam traços típicos do Arcadismo. Todos esses poetas concentravam-se na cidade mineira de Vila Rica, centro da atividade mineradora e mais importante centro urbano do país nesse período. No Rio de Janeiro, nos anos de transição entre os séculos XVIII e XIX, entre uma série de novidades de ordem política e econômica que começam a transformar a fisionomia do país, verifica-se o surgimento de diversos órgãos de imprensa. Nesse momento tardio do Arcadismo, têm destaque as figuras dos jornalistas Hipólito da Costa, fundador do jornal Correio Braziliense, e Evaristo da Veiga, cronista político do Aurora Fluminense.
Contexto
No Brasil, o século XVIII é considerado o século do ouro, graças à intensa atividade de extração mineral que se desenvolveu na região de Minas Gerais. A prosperidade econômica do período estimulou a organização política, administrativa e dinamizou a vida cultural. A maior agilidade na troca de informações favoreceu a formação de uma consciência comum, de um sentimento nacional que, na literatura, começa aos poucos a substituir o impulso de descrição da natureza e do nativo, dominante até então. Pela primeira vez, é possível verificar no país uma relação sistemática, ainda que incipiente, entre escritor, obra e público, condição fundamental para a formação de uma literatura, conforme ensina o crítico Antonio Candido. O impulso de intelectuais e artistas de se reunirem em academias e sociedades literárias contrapõe-se ao isolamento dos períodos anteriores, em que os escritores se encontravam dispersos, as obras mal circulavam no interior do país, dirigindo-se primordialmente para leitores portugueses.
A Europa vivia a efervescência do Iluminismo e transformava-se num pólo irradiador de idéias libertárias. Ao mesmo tempo, chegavam ao Brasil as primeiras notícias sobre a independência dos Estados Unidos, conquistada em 1776. Todos esses fatores, associados à insatisfação generalizada com a exploração de Portugal, que se traduzia no aumento dos impostos sobre a extração de minérios, culminaram na Inconfidência Mineira, preparada por um pequeno grupo de letrados, muitos deles ex-estudantes da Universidade de Coimbra, onde entraram em contato com as novas idéias e doutrinas políticas. Em sua maior parte, esse grupo de oposição política era o mesmo que produzia ciência e literatura na época.
O marco inicial do estilo árcade no Brasil é a publicação de Obras, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. Sob influência de teorias francesas e italianas, os integrantes do movimento empenharam-se em restaurar a simplicidade da língua literária, que estaria contaminada por excessos retóricos e por formas degeneradas da literatura barroca. O nome Arcadismo é uma alusão à Arcádia Lusitana, associação fundada em 1756 em Portugal que congregava os opositores do maneirismo seiscentista. Inspirada na Arcádia Romana, criada em Roma em 1690, ela também remonta ao romance pastoral Arcadia (1504), do escritor italiano Jacopo Sannazaro. A obra retrata uma lendária região grega chamada Arcádia. Dominada pelo deus Pã, ela seria habitada por pastores cujo modo de vida bucólico e devotado à poesia foi transformado pelos neoclássicos em modelo ideal de convivência entre o homem e a natureza. Daí o fato de os escritores da época denominarem-se pastores e adotarem pseudônimos poéticos, como Glauceste Satúrnio (Cláudio Manuel da Costa), Alcindo Palmireno (Silva Alvarenga) e Termindo Sepílio (Basílio da Gama).
Com o propósito de restabelecer o equilíbrio da produção poética, autores do século XVIII empenharam-se na elaboração de manuais que recuperavam regras e padrões do Renascimento, por sua vez consolidados com base em formulações clássicas, principalmente de pensadores como Horácio e Aristóteles. Entre os mais importantes destacam-se o francês Nicolas Boileau, autor da Arte Poética, e o espanhol Luzán, cuja obra central é Poética. Em língua portuguesa, os principais doutrinadores do arcadismo foram Luís Antônio Verney, autor do Verdadeiro Método de Estudar (1747), e Francisco José Freire, que escreveu Arte Poética (1748).
Dos escritos desses doutrinadores, derivam duas idéias que contribuem para esclarecer parte da produção poética do século XVIII. A primeira é a idéia de que o poeta não é um sujeito em busca de meios para expressar sua subjetividade, e sim um artífice valorizado pela capacidade de pôr seu conhecimento técnico a serviço de uma causa externa. A segunda, a noção de utilidade da poesia, ou seja, a noção de que ela engrandece à medida que louva, descreve e propaga a verdade, verdade esta que se confundia com os interesses do estado.
Estilo
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Os antigos escritores gregos e romanos sintetizam o ideal de harmonia que os autores do período buscavam resgatar. Por isso eles também são conhecidos como neoclássicos. Tida como reduto por excelência do equilíbrio e da sabedoria, a natureza é a temática mais freqüente do Arcadismo. Em grande medida, é possível dizer que a poesia arcádica caracteriza-se por essa busca pelo "natural", ao qual estavam sempre associadas as idéias de verdade e de beleza.
Apesar de ter sido influenciada pela tradição poética do século XVI, cujo nome mais importante é Camões, e de apresentar resquícios do Barroco em certos casos, a poesia arcádica é um modelo de simplicidade e objetividade, se comparada com as obras do período anterior. Exemplos dessa simplificação da linguagem são a valorização da ordem direta, o verso sem rima, a singeleza do vocabulário e a menor incidência de comparações e antíteses - todos fatores identificáveis na produção poética do Arcadismo.
Essa liberdade formal, no entanto, era regida por normas consolidadas e formatos fixos que só começariam a afrouxar a partir do Romantismo. O soneto, por exemplo, era uma das formas mais empregadas, como se pode perceber pela obra de Cláudio Manuel da Costa. Também bastante utilizados eram a ode (composição poética dividida em estrofes simétricas, para ser cantada), a elegia (poesia sobre tema fúnebre) e a écloga (poesia pastoril).
Sem perder a impregnação religiosa nem o respeito à monarquia, os poetas do período abordaram assuntos mais imediatos e concretos do que seus antecessores. Fazem parte de seu universo temático o elogio da virtude civil, a crença na melhoria do homem pela instrução, a noção de que a harmonia social depende da obediência às leis da natureza, e a concepção da felicidade como conseqüência da prática do bem e da sabedoria. Todas essas idéias, em grande medida derivadas do Iluminismo, encontram expressão política na figura do Marquês de Pombal.
Secretário do rei D. José I, Pombal é a face portuguesa do "despotismo esclarecido" que vigorou em certos países da Europa nos séculos XVII e XVIII. Ele promoveu a reforma do ensino na Universidade de Coimbra, a reconstrução da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755 e a expulsão dos jesuítas do território da coroa portuguesa. Também foi o maior mecenas das artes do período, o que justifica o apoio de poetas do Arcadismo à sua causa. É difícil compreender um poema como O Uraguai, por exemplo, longe desse contexto. Nessa obra épica, Basílio da Gama louva a política da coroa portuguesa de combate aos jesuítas, que são retratados de maneira impiedosa. Também O Desertor, de Silva Alvarenga, foi composto com o propósito único de cantar loas à reforma do ensino empreendida por Pombal.
O iluminismo pombalino caracterizou também a prosa do período. Ela se manifestava nas formas de sermões, discursos, panfletos e ensaios de jornal. Os escritos teóricos e científicos, em sua maioria produzidos em Portugal sob os auspícios do Marquês, também tiveram influência durante o Arcadismo, como atestam os manuais de poesia de Verney e Freire e os textos sobre a reforma educacional escritos por autores como Antonio Nunes Ribeiro Sanches. A prosa literária, no entanto, atingiu pouca expressão. Uma razão para isso é o fato de que a poesia era então considerada um meio adequado para a discussão de idéias de interesse público. Assim, diversos autores do período manifestaram-se sobre ciência, educação, filosofia, política ou até temas técnicos, como zoologia e mineração, em textos versificados.
Autores
Os principais cronistas do Arcadismo no Brasil pertencem a um período tardio do movimento. Eles realizaram seus trabalhos já no limiar do século XIX. Nessa época, em especial depois da chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, tinha início um processo profundo de transformação da sociedade brasileira que, no plano cultural, iria desembocar no Romantismo. Dois nomes têm destaque nesse momento: Evaristo da Veiga (1799-1837) e Hipólito José da Costa (1774-1823). Poeta, livreiro e deputado, Veiga fundou o jornal Aurora Fluminense, onde escreveu a crônica política do período. Autor da letra do primeiro hino nacional brasileiro, que mais tarde se tornaria o Hino à Independência, Evaristo da Veiga é considerado o primeiro jornalista brasileiro. Costa, por sua vez, foi o fundador do Correio Brasiliense. Primeiro grande jornal da imprensa brasileira, o Correio era um espaço de divulgação de idéias iluministas e de estudos sobre questões nacionais. Editado em Londres entre 1808 e 1823, o jornal teve papel fundamental para a emancipação política do Brasil. Segundo o crítico Alfredo Bosi, Veiga e Costa foram responsáveis pela criação do molde brasileiro da prosa jornalística de idéias e desempenharam papel decisivo para a formação de um público leitor no país.
É na obra dos poetas, no entanto, que se manifestam os traços mais característicos do Arcadismo. O poeta mais importante do Arcadismo português é Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805). Mais conhecido pelos poemas satíricos, ele também praticou poesia lírica. Embora no início tenha escrito de acordo com as convenções do Arcadismo, no fim da vida produziu versos que não cabem nos moldes do movimento. Essa fase de sua obra é considerada pelos críticos como pré-romântica. No Brasil, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto tiveram participação marcante tanto na literatura quanto nas questões políticas de seu tempo. Em contexto diverso, Basílio da Gama, Silva Alvarenga e Santa Rita Durão são os outros autores que, ao lado deles, produziram as obras mais significativas do período.
Entre os membros do grupo mineiro, foi Cláudio Manuel da Costa quem exprimiu com mais clareza os modelos arcádicos. É em sua obra que o lirismo pastoral, marca definidora da poesia do período, apresenta-se com mais nitidez. Para o crítico Antonio Candido, o melhor da produção de Cláudio Manuel da Costa está nas Obras, em que o culto dos modelos clássicos alia-se a uma requintada sonoridade e a uma consciência nítida dos problemas de seu tempo, além de referências constantes ao cenário rochoso de Minas Gerais, como no Soneto VIII Este é o rio, a montanha é esta. Outro traço característico de sua obra é a vibração política, também presente nas Cartas Chilenas, de Gonzaga.
Quanto a Tomás Antônio Gonzaga, é possível dizer que foi o autor da lírica amorosa mais popular da literatura de língua portuguesa. Trata-se do poema Marília de Dirceu, dividido em liras que a partir da publicação do poema em livro, em 1792, foram declamadas, musicadas e cantadas em serestas e saraus pelo Brasil afora. Referindo-se à lira III da parte III, Manuel Bandeira escreveu : "Nessa lira esqueceu o Poeta a paisagem e a vida européia, os pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da terra com um fino gosto que não tiveram seus precursores". Gonzaga foi o poeta do Arcadismo que levou mais adiante em seus versos a expressão de uma individualidade em conflito, de certo modo abrindo caminho para os arroubos dilacerados da poesia romântica.
Além de O Uraguai, os outros dois poemas épicos importantes do período são O Caramuru, de Santa Rita Durão, e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa. O primeiro é uma imitação de Os Lusíadas que retoma motivos de louvor da natureza do Brasil e tem importância histórica pela riqueza de elementos com que descreve o indígena. O segundo, um poema de exaltação à cidade mineira igualmente lembrado por seu caráter documental. Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga, outros poetas relevantes da época, deixaram uma obra marcada pela crítica política e nativismo, no primeiro caso, e pela variedade formal e leveza rococó, no segundo. De maneira geral, ainda de acordo com Antonio Candido, é possível dizer que a importância dos poetas arcádicos reside no "esforço de trazer à pátria os temas e as técnicas mentais e artísticas do ocidente europeu, dando à nossa literatura um alcance potencialmente universal, antes mesmo que ela tomasse consciência de sua individualidade nacional."
Arcadismo
O Arcadismo foi um estilo literário que perdurou pela maioria do século XVIII, tendo como principal característica o bucolismo, elevando a vida despreocupada e idealizada nos campos. Muitos dos participantes da Conjuração Mineira foram poetas árcades.
Cláudio Manuel da Costa
Introdutor do Arcadismo no Brasil, Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) estudou Direito em Coimbra. Rico, advogou em Mariana, SP, onde nasceu e estabeleceu-se depois em Vila Rica. Foi um poeta de transição, ainda muito preso ao Barroco. Era grande amigo de Tomás Antônio Gonzaga, como atesta a poesia deste. Tinha os pseudônimos (apelido, no caso dos árcades, de origem pastoril) de Glauceste Satúrnio e Alceste. O nome de sua musa era Eulina. Foi preso em 1789, acusado de reunir os conjurados da Inconfidência Mineira. Após delatar seus colegas, é encontrado morto na cela, um caso de suicídio até hoje nebuloso. Na citação a seguir está presente um elogio ao campo, lugar idealizado pelos árcades.
"Quem deixa o trato pastoril, amado,
Pela ingrata civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro da paz não tem provado."
Basílio da Gama
O poeta José Basílio da Gama (1741-1795), nascido em São João del Rei, MG. Estudou com os Jesuítas no RJ até a expulsão destes do Brasil pelo Marquês de Pombal. Foi para Itália e ingressou na Arcádia Romana, adotando o pseudônimo de Termindo Sipilío. Escapou de acusações de jesuitismo escrevendo elogios ao casamento da filha do Marquês de Pombal. Escreveu O Uruguai ajudado por este e o publicou em 1769. A segunda passagem é uma das passagens mais famosas de sua obra: a morte de Lindóia.
"Na idade que eu, brincando entre os pastores,
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava,
Da mesma idade e bela como as flores."
"Açouta o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! No frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito."
O Uruguai
Tomás Antônio Gonzaga
Nascido em Porto (1744-1810?) de pai brasileiro, estudou na BA e formou-se em Coimbra em Direito, sendo um jurista habilidoso. Envolvido na Inconfidência é preso em 23/05/1789 e mandado para a prisão no Rio de Janeiro. É deportado para a África em 1792. Na África se casa com uma rica herdeira, recupera fortuna e influências e morre, provavelmente, em 1810. Produziu pouco, exceto no curto tempo em que esteve em MG. Apaixonado por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, escreveu Marília de Dirceu em sua homenagem. Ele ia casar-se com ela e partir para a Bahia assumir um cargo de desembargador, mas foi preso uma semana antes. Segundo suas poesias ele não participava da Conjuração, apesar de ser amigo de Cláudio Manuel da Costa. De fato, Gonzaga, acusado de ser o mais capaz de dirigir a Inconfidência e ser o futuro legislador, não suportava Tiradentes. Escreveu também as Cartas Chilenas, que satirizavam seu desafeto, o governador Luís Cunha Meneses. Sua obra apresenta características transitórias para o Romantismo, como a supervalorização do amor e a idealização da mulher em Marília de Dirceu.
"Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos ainda não está cortado;
Os Pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder de meu cajado."
Marília de Dirceu
" Assim o nosso chefe não descansa
De fazer, Doroteu, no seu governo,
Asneiras sobre asneiras e, entre as muitas,
Que menos violentas nos parecem,
Pratica outras que excedem muito e muito
As raias dos humanos desconcertos."
Cartas Chilenas
Santa Rita Durão
O Frei José de Santa Rita Durão (1720-1784), orador e poeta, pode ser considerado o criador do indianismo no Brasil. Seu poema épico Caramuru é a primeira obra a ter como tema o habitante nativo do Brasil; foi escrita ao estilo de Camões, imitando um poeta clássico assim como faziam os outros neoclássicos (árcades). Santa Rita Durão nasceu em Cata Preta (MG) e mudou-se para a Europa aos 11 anos de idade, onde teve grande participação política. Foi também um grande orador.
Alvarenga Peixoto
Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744?-1792) estudou com os jesuítas e formou-se com louvor na Universidade de Coimbra. Foi juiz e ouvidor. Casou-se com uma poetisa e deixou a magistratura, ocupando-se da lavoura e mineração no MG. Foi implicado na Inconfidência Mineira junto com seu parente, Tomás Antônio Gonzaga, e seu amigo Cláudio Manuel da Costa. Sentenciado a morte, teve a sentença comutada para degredo para Angola, onde morreu num presídio. Sua obra artística foi pequena, mas bem acabada. Segue um exemplo.
"Eu vi a linda Jônia e, namorado,
Fiz logo voto eterno de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado."
Arcadismo
A Arcádia e seus pastores - o mundo ideal

O Arcadismo foi um estilo literário que perdurou pela maioria do século XVIII, tendo como principal característica o bucolismo, elevando a vida despreocupada e idealizada nos campos. Muitos dos participantes da Conjuração Mineira foram poetas árcades.
A natureza, os campos, os pastores são marcas que ajudam o leitor a reconhecer um poema ou texto árcade.
No Brasil, o Arcadismo (1768-1836) passou a incorporar a figura do índio, da fauna e da flora brasileira, fugindo portanto do estilo árcade de Portugal e da Europa. Muitos dos letrados dessa época, a maioria ex-estudantes da Universidade de Coimbra participaram ativamente da Inconfidência Mineira.
O índio assumia nos textos árcades do Brasil o papel do pastor dos textos europeus. Nessas escritas o índio é tratado como herói e modelo de bem viver para toda a sociedade.
Os principais poetas árcades brasileiros foram:
-
Cláudio Manuel da Costa
-
Tomás Antônio Gonzaga
-
Alvarenga Peixoto
-
Basílio da Gama
-
Santa Rita Durão
O Arcadismo, Setecentismo (os anos 1700) ou Neoclassicismo é o período de caracteriza principalmente a segunda metade do século XVIII, tingindo as artes de uma nova tonalidade burguesa.
No século XVIII, as formas artísticas do Barroco já se encontram desgastadas e decadentes. O fortalecimento político da burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um novo quadro sócio político-cultural, que necessita de outras fórmulas de expressão. Combate-se a mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma, nega-se a educação jesuítica praticada nas escolas, valoriza-se o estudo científico e as atividades humanas, num verdadeiro retorno à cultura renascentista. A literatura que surge para combater a arte barroca e sua mentalidade religiosa e contraditória é o Neoclassicismo, que objetiva restaurar o equilíbrio por meio da razão.
A influência neoclássica penetrou em todos os setores da vida artística européia, no século XVIII. Os artistas desse período compreendiam que o Barroco havia ultrapassado os limites do que se considerava arte de qualidade e procuravam recuperar e imitar os padrões artísticos do Renascimento, tomados então como modelo.
Na Itália essa influência assumiu feição particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na lendária região da Grécia antiga. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pari e habitada por pastores que, vivendo de modo simples e espontâneo, se divertiam cantando, fazendo disputas poéticas e celebrando o amor e o prazer.
Os italianos, procurando imitar a lenda grega, criaram a Arcádia em 1690 - uma academia literária que reunia os escritores com a finalidade de combater o Barroco e difundir os ideais neoclássicos. Para serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos literatos árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se em parques e jardins para gozar a vida natural.
No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre, etc.
Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes.
A linguagem árcade
A linguagem árcade é a expressão das idéias e dos sentimentos do artista do século XVIII. Seus temas e sua construção procuram adequar-se à nova realidade social vivida pela classe que a produzia e a consumia: a burguesia.
Características da linguagem árcade
Além das características da linguagem árcade estudadas, outras merecem destaque:
fugere urbem (fuga da cidade): influenciados pelo poeta latino Horácio, os árcades defendiam o bucolismo como ideal de vida, isto é, uma vida simples e natural, junto ao campo, distante dos centros urbanos. Tal princípio era reforçado pelo pensamento do filósofo francês Jean Jacques Rousseau, segundo o qual a civilização corrompe os costumes do homem, que nasce naturalmente bom.
aurea mediocritas (vida medíocre materialmente mas rica em realizações espirituais): outro traço presente advindo da poesia horaciana é a idealização de uma vida pobre e feliz no campo, em oposição à vida luxuosa e triste na cidade
idéias iluministas: como expressão artística da burguesia, o Arcadismo veicula também certos ideais políticos e ideológicos dessa classe, no caso, idéias do Iluminismo. Os iluministas foram pensadores que defenderam o uso da razão, em contraposição à fé cristã, e combateram o Absolutismo. Embora não sejam a preocupação central da maioria dos poetas árcades, idéias de liberdade, justiça e igualdade social estão presentes em alguns textos da época.
convencionalismo amoroso: na poesia árcade, as situações são artificiais; não é o próprio poeta quem fala de si e de seus reais sentimentos. No plano amoroso, por exemplo, quase sempre é um pastor que confessa o seu amor por uma pastora e a convida para aproveitar a vida junto à natureza. Porém, ao se lerem vários poemas, de poetas árcades diferentes, tem-se a impressão de que se trata sempre de um mesmo homem, de uma mesma mulher e de um mesmo tipo de amor. Não há variações emocionais. Isso ocorre devido ao convencionalismo amoroso, que impede a livre expressão dos sentimentos, levando o poeta a racionalizá-los. Ou seja, o que mais importava ao poeta árcade era seguir a convenção, fazer poemas de amor como faziam os poetas clássicos, e não expressar os sentimentos. Além disso mantém-se o distanciamento amoroso entre os amantes, que já se verificava na poesia clássica. A mulher é vista como um ser superior, inalcançável e imaterial.
carpe diem: o desejo de aproveitar o dia e a vida enquanto é possível tema já bastante explorado pelo Barroco - é retomado pelos árcades e faz parte do convite amoroso.
Como síntese do que foi estudado até aqui, podemos esquematizar as principais características da linguagem árcade deste modo:
QUANTO À FORMA |
QUANTO AO CONTEÚDO |
Vocabulário simples |
Pastoralismo |
Frases na ordem direta |
Bucolismo |
Ausência quase total de figuras de linguagem |
Fugere urbem |
Manutenção do verso decassílabo, do soneto e de outras formas clássicas |
Aurea mediocritas |
Elementos da cultura greco-latina |
Convencionalismo amoroso |
Idealização amorosa |
Racionalismo |
Idéias iluministas |
Carpe diem |
A palavra arcádia, que dá origem a Arcadismo, é grega e designa uma sociedade literária típica da última fase do Classicismo, cujos membros adotam nomes poéticos pastoris, em homenagem à vida simples dos pastores, em comunhão com a natureza.
As manifestações da estética arcádica começam a ocorrer no Brasil na segunda metade do século XVIII, mais precisamente em 1768, quando Cláudio Manuel da Costa publica Obras. A atividade mineradora - já intensa desde 1700 - determina mudanças na organização e na dinâmica da vida brasileira. Há um aumento considerável na circulação de mercadorias e uma dinamização das regiões que abasteciam de gado as Minas Gerais (Sul e Nordeste). Com o crescimento das cidades, surgia no Brasil o trabalho não-escravo, desvinculado das atividades agrícolas e da mineração. Eram artesãos, burocratas, profissionais liberais, literatos.
O espírito iluminista
Era o esboço de uma classe mediana que, disposta a defender seus próprios interesses, adotou a ideologia liberal burguesa vinda da França: o Iluminismo. A difusão do pensamento iluminista que apregoava a liberdade de propriedade e a igualdade de poderes, criticando o estado absolutista, tinha as suas palavras de ordem: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Em 1789, esse espírito culminou na Revolução Francesa, que modificou o conceito de classe social trazendo ao topo do poder os burgueses.
Árcades ilustrados
Em Vila Rica, atual Ouro Preto, a antiga capital da Capitania das Minas Gerais, um grupo teve especial importância na divulgação do Iluminismo - o "grupo mineiro" -, composto por intelectuais que se reuniam em torno de ideais semelhantes, pelo menos quanto ao pensamento de que a Metrópole Portuguesa era tirânica em relação à Colônia, que se encontrava usurpada em relação às suas riquezas.
"Escola Mineira"
Seis poetas constituem a chamada "Escola Mineira": Frei José de Santa Rita Durão, José Basílio da Gama, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Com os olhos voltados para a terra natal, esses poetas árcades iniciaram o período de transformação da literatura brasileira, que se vai efetivar, realmente, no século XIX, com os românticos.
Características do Arcadismo
O desejo da natureza, a realização da poesia pastoril, a reverência ao bucolismo são traços mercantes da literatura arcádica, disposta a fazer valer a simplicidade perdida no Barroco.
Fugere urbem
A base material do progresso consubstanciava-se nas cidades. Mudava o mundo, modernizavam-se as cidades e, consequentemente, redobravam os problemas dos conglomerados urbanos. A natureza acenava com a ordem nos prados e nos campos, os indivíduos resgatavam sentimentos roídos pelo progresso. Os árcades buscavam uma vida simples, bucólica, longe do burburinho citadino.
Abaixo o exagero: inutilia truncar
A frase em latim resume grande parte da estética árcade. Ela significa que "as inutilidades devem ser banidas" e vai ao encontro do desprezo pelo exagero e pelo rebuscamento, característicos do Barroco. Por isso, outros modelos eram buscados pelos árcades: paradigmas clássicos e renascentistas, que significavam a simplicidade e o equilíbrio.
Neoclassicismo
Nessa disposição de coisas é que se revela a outra tendência árcade - o Neoclassicismo. Seguindo o exemplo da Arcádia Romana (agremiação italiana fundada em 1690, imitada pela Arcádia Lusitana, fundada em 1756), os poetas árcades elegeram como ideais as condições de criação que supunham ser as dos poetas-pastores que habitavam a legendária Arcádia, região da Grécia. São, portanto, neoclássicos na busca da espontaneidade e da simplicidade.
Pseudônimos pastoris
Fingir que são pastores foi a saída encontrada pelos árcades para realizar (na imaginação) o ideal da mediocridade dourada (aurea mediocritas), ou seja, as louvações à vida equilibrada, espontânea, pobre (em contato com a natureza).
Carpe diem
Aproveitar o dia, viver o momento presente com grande intensidade, foi uma atitude inteiramente assumida por esses poetas - pastores, cuja noção de que "o tempo não pára e por isso deve ser vivido em todos os sentidos" era muito forte.
Arcadismo em Portugal (1756-1825)
Com a fundação da Arcádia Lusitana, em 1756, iniciou-se uma nova etapa literária em Portugal, caracterizada pela rebeldia contra o Barroco. Sua divisa - inutilia truncar - atestava o desejo de repúdio às coisas inúteis, característica marcante da poesia barroca.
Simplicidade da arte renascentista
A Arcádia Lusitana teve por base a Arcádia Romana, fundada na Itália em 1690, cuja tentativa foi restabelecer a simplicidade da arte renascentista e antiga. A Arcádia Lusitana estiveram ligados, entre outros, os poetas Antônio Dinis da Cruz e Silva (um de seus fundadores), Pedro Antônio Correia Garção, também doutrinador do movimento.
Nova Arcádia
Em 1790, foi fundada a Academia de Belas Artes, logo após denominada Nova Arcádia que, três anos mais tarde, publicava algumas obras poéticas de seus sócios, sob o título Almanaque das Musas. Os membros mais importantes dessa associação foram o brasileiro Domingos Caldas Barbosa, famoso nos ambientes aristocráticos por sua obra lírica, o poeta satírico Padre Agostinho de Macedo e o poeta lírico e satírico Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Arcadismo no Brasil (1768-1836)
O rompimento com a estética cultista barroca começou no Brasil com a publicação das Obras, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768. O movimento árcade permaneceu como tendência literária até 1836, quando se inicia o Romantismo.
Árcades mineiros
Não existiu, no Brasil, uma Arcádia, como em Portugal. Um vigoroso grupo intelectual - o "grupo mineiro" - destacou-se na arte literária e na prática política, participando ativamente da Inconfidência Mineira. Esse grupo, constituído por Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e outros intelectuais, foi desfeito de forma violenta, com a prisão, desterro ou morte de alguns poetas, à época da repressão política em torno do episódio da Inconfidência.
Bucolismo e poesia política
Cláudio Manuel da Costa foi o primeiro modelo e o mais forte de todos para os poetas mineiros. Influenciou significativamente Tomás Antônio Gonzaga, de quem era o "amigo mais velho". Cláudio, considerado o mais árcade dos poetas do grupo, teve uma formação rigorosamente clássica. A sua poesia bucólica focaliza, sobretudo, a paisagem montanhosa de Minas Gerais. Alvarenga Peixoto, um dos poetas "ilustrados", construiu uma obra bem marcada pelo seu aspecto político, em defesa da República, contra a guerra e em prol dos escravos. Silva Alvarenga, por sua vez, tem uma obra lírica plena de musicalidade.
Características do Arcadismo brasileiro
A tentativa de imitar o Arcadismo português, para dar à Colônia uma literatura tão sofisticada quanto aquela que se produzia na Metrópole, resultou na poesia refinada dos árcades mineiros.
Apego aos valores da terra
A simplicidade na poesia e a idéia de abolir as inutilidades (inutilia truncat) foram, também, objetivos dos árcades brasileiros. O ambiente peculiar oferecido pela localização geográfica do "grupo mineiro" fez brotar um nativismo que incorporou os valores da terra ao ideário da estética bucólica, em voga no Arcadismo. Emerge a natureza brasileira como pano de fundo para a poesia dos "pastores".
Incorporação do elemento indígena
A valorização do índio foi importante no Arcadismo brasileiro: ele reflete o ideal do "bom selvagem", tão caro aos iluministas (o pensamento de Rousseau baseado na premissa de que a natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade o corrompe e o transforma). A incorporação do índio como elemento literário dará um colorido diferente do europeu ao Arcadismo brasileiro.
Sátira política
A redação e a circulação de manuscritos anônimos (as Cartas Chilenas) de nítida sátira política aos tempos difíceis da exploração portuguesa e à corrupção dos governos coloniais, foi elemento bem distinto do Arcadismo brasileiro. A tomada de consciência política do "grupo mineiro" foi sem precedentes na história do Brasil. Impulsionados pelo exemplo da independência norte-americana e da Revolução Francesa, todos os elementos componentes do grupo participaram da Conjuração Mineira, que acabou em 1789.
Arcadismo
O Arcadismo, contemporâneo ao Iluminismo, veio em oposição ao Barroco decadente, no século XVIII - por isso também a denominação "Setecentismo". São retomados os ideais clássicos, originando a expressão Neoclassicismo, muitas vezes tomada como sinônimo de Arcadismo.
Segundo uma lenda grega, a Arcádia era uma região rural, dominada pelo deus Pan, onde pastores e pastoras levavam suas ovelhas e se divertiam cantando, fazendo poesia e amando-se à natureza. Assim, a expressão ganhou tom de "lugar ideal" durante o Renascimento, e agora, ao século XVIII, passou a designar associações de poetas, que reuniam-se a fim de propagar os ideais neoclássicos e combater o Barroco. Tanto combatiam que o movimento Arcádia Lusitana tinha como lema "Inutilia Truncat", ou seja, "corta o inútil". Dizia-se isso devido ao exagero barroco, que especificamos em seu item próprio.
Entende-se bem o Arcadismo conhecendo os temas latinos que eram pregados em sua linguagem, como:
-
Fugere urbem: enquanto, na realidade, a população destinava-se às cidades maiores, o poeta prefere "fugir" do mundo urbano no plano poético, para o campo, lugar ideal, portanto, para viver - complementando o ideal "locus amoenus".
-
Aurea mediocritas: justamente em contraposição ao Barroco. Ao pé da letra significa "mediocridade do ouro", mas deve-se entender o significado original do termo "medíocre", sem os desvios que o povo costuma impôr. "Medíocre", na verdade, está entre ignorante e culto, ou seja, normal. Neste contexto, os árcades pregavam que o equilíbrio vale ouro: não adianta emperiquitar toda uma obra, pois sua beleza está na simplicidade.
-
Carpe diem: a beleza em se viver, sem medo, o momento. Percebe-se muito esta idéia nas poesias de Cláudio Manuel da Costa, quando diz à sua amada: "sonho que vem tarde, já vem frio".
Arcadismo
No século XVIII superam-se os conflitos espirituais da época anterior. O período ficou conhecido como Iluminismo ou Ilustração (Conhecido também por "século das luzes": as "luzes" da ciência(razão) contra a ignorância da Inquisição e da mentalidade contra-reformista), e foi marcado por intenso desenvolvimento científico e filosófico. A burguesia se enriquece muito com a Revolução Industrial, que provoca grandes transformações nas estruturas econômicas. A Revolução Francesa, o primeiro grande trunfo político da classe burguesa, provoca também grandes transformações sociais e se espalha pelo mundo.
Esse movimento foi uma retomada aos modelos clássicos greco-latinos e aos modelos do Renascimento-Classicismo, por isso é conhecido também como Neoclassicismo.
O período árcade coincide no Brasil com o ciclo do ouro. Minas Gerais - notadamente Vila Rica - é o centro econômico e cultural do Brasil. Entre os fatos históricos dessa época, podemos mencionar: nomeação do Marquês de Pombal como Ministro do rei D. José I; expulsão dos jesuítas de Portugal e dos domínios portugueses pelo Marquês de Pombal, provocando o enfrentamento da influência religiosa no campo cultural; Conjuração Mineira e condenação de Tiradentes. A economia da mineração promove o surgimento de uma pequena classe média, cria-se o sistema literário brasileiro. O gosto pela literatura torna-se símbolo de status.
O Arcadismo tem início entre nós com a publicação de Obras Poéticas (1769), de Cláudio Manuel da Costa, e termina com a publicação, em Paris, da obra "Suspiros Poéticos e Saudades", de Gonçalves de Magalhães (1836). Admite-se uma fase de transição para o Romantismo, que vai de 1808, com a chegada da Família Real, até 1836, início do Romantismo; esse período é denominado de Pré-Romantismo.
Sâo características do Arcadismo o equilíbrio, clareza, simplicidade, redomínio da razão, o bucolismo (campo), o pastoralismo, a imitação da natureza (mímese); há uma tendência ao "alinhamento" dos aspectos dolorosos da existência, a arte ganha uma finalidade didática moralizante, além de prazerosa; freia-se o impulso pessoal e a subjetividade, devendo ser a poesia descritiva e sujeita ao crivo da razão. Outra característica do Arcadismo (neoclassicismo), era a opasição ao estilo Barroco; pois os neoclássicos defendiam uma arte racional e natural e, assim, eram inimigos do "mal-gosto" e dos "excessos" tão comuns no estilo Barroco, buscando então, uma arte sem antíteses, desequilíbrios ou dilacerações. O poeta, desse movimento, era mais um pintor de situações do que emoções.
Os motivos da poesia árcade são sintetizados em frases latinas extraídas de autores clássicos:
-
carpem diem (aproveita o dia) - desejo de fruição dos prazeres da vida;
-
aurea mediocritas (mediania de ouro) - ideal de herói simples, humilde e honrado;
-
locus amoenus (lugar ameno) - a natureza aprazível e dedicada. Único lugar onde o homem poderia ser feliz;
-
fugere urbem, sequi naturam (fugir da cidade, seguir a natureza) - opção pela vida campestre em oposição à vida citadina;
-
inutilia truncat (corta o inútil) - contra os exageros, o rebuscamento, a extravagância do Barroco.
Arcadismo
O Arcadismo é uma escola literária surgida na Europa no século XVIII. O nome dessa escola é uma referência à Arcádia, região bucólica do Peloponeso, na Grécia, tida como ideal de inspiração poética. No Brasil, o movimento árcade toma forma a partir da segunda metade do século XVIII.
A principal característica desta escola é a exaltação da natureza e de tudo que lhe diz respeito. É por isto que muitos poetas ligados ao arcadismo adotaram pseudônimos de pastores gregos ou latinos (pois o ideal de vida válido era o de uma vida bucólica).
Contexto Histórico
O arcadismo, setecentismo (os anos 1700) ou neoclassicismo é o período que caracteriza principalmente a segunda metade do século XVIII, tingindo as artes de uma nova tonalidade burguesa.A influência neoclássica penetrou em todos os setores da vida artística européia, no século XVIII. Os artistas desse período compreendiam que o Barroco havia ultrapassado os limites do que se considerava arte de qualidade e procuravam recuperar e imitar os padrões artísticos do Renascimento, tomados então como modelo.
Na Itália essa influência assumiu feição particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na lendária região da Grécia antiga. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pari e habitada por pastores que, vivendo de modo simples e espontâneo, se divertiam cantando, fazendo disputas poéticas e celebrando o amor e o prazer.
Os italianos, procurando imitar a lenda grega, criaram a Arcádia em 1690 - uma academia literária que reunia os escritores com a finalidade de combater o Barroco e difundir os ideais neoclássicos. Para serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos literatos árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se em parques e jardins para gozar a vida natural.
No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre, etc.
Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes.
O desejo da natureza, a realização da poesia pastoril, a reverência ao bucolismo são traços marcantes da literatura arcádica, disposta a fazer valer a simplicidade perdida no Barroco.
-
Fugere urbem (fuga da cidade)
-
Locus amoenus (lugar aprazível)
-
Aurea Mediocritas (mediocridade dourada)
-
Inutilia truncar (cortar o inútil)
-
Neoclassicismo
-
Pseudônimos pastoris (fingimento poético para não revelar sua autoridade)
-
Carpe diem (aproveite o dia)
Em Portugal
-
D. José no trono na casa do pai João
-
Período Pombal (1750 a 1777)
-
Grandes Reformas na Economia
-
Aumento da exploração na colônia do Brasil
-
Expulsão dos jesuítas do território português
-
A morte de D. José, em 1777, e a queda de Pombal
-
D. Maria, sucessora do trono, tenta resolver os problemas, cada vez maiores, do Erário Real.
-
O dominio Inglês em Portugal cresce, e a dependência econômica de Portugal torna-se incontrolável.
No Brasil
-
Minas Gerais como centro econômico e político
-
A descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, forma cidades ao redor.
-
Vila Rica (atual Ouro Preto) se consolida como espaço cultural desde o Barroco (Aleijadinho)
-
A corrida pelo ouro se intensifica.
-
Influências das arcádias portuguesas nos poetas brasileiros
-
Conflitos com o Império (Inconfidência Mineira)
-
O ciclo da mineração
-
A expulsão dos jesuítas do Brasil - (1759)
-
A Inconfidência Mineira(1789)
Marco Inicial
No Mundo
Criação da 1ª Arcádia pelos italianos, procurando imitar a lenda grega
Em Portugal
Fundação da Arcádia Lusitana (1756)
No Brasil
Obras Poéticas - Cláudio Manuel da Costa(1768)
Fundação da Arcádia Ultramarina em Vila Rica
Características
Predomínio da razão
Adoção de lemas latinos: Fugere Urbem (fuga da cidade), Locus amoenus (refúgo ameno)
Gerais
-
Idéias Iluministas
-
Laicismo
-
Liberalismo
-
Fugere Urbem
-
Bucolismo
-
Aurea Mediocritas
-
Convencionismo amoroso
-
Idealização do Sexo
-
Carpe Diem
-
Inutilia Truncat - Textos mais objetivos, sem exagero
-
Sátira Política
-
Linguagem Simples
-
Uso dos Versos decassílabos, sonetos e outras formas clássicas
-
Presos a estética e forma
No Brasil
-
Introdução de paisagens tropicais
-
História colonial muito valorizada
-
Início do nacionalismo
-
Início da luta pela independência
-
A colônia é colocada como centro das atenções.
Autores
Portugal
Brasil
-
Frei Santa Rita Durão
-
Cláudio Manuel da Costa
-
Basílio da Gama
-
Tomás Antônio Gonzaga
-
Alvarenga Peixoto
-
Silva Alvarenga
Arcadismo no BrasilDesenvolve-se no Brasil com o Arcadismo a primeira produção literária adaptada à vida da colônia, já que os temas estão ligados à paisagem local. Surgem vários autores do gênero em Minas Gerais, centro de riqueza na época. Embora eles não cheguem a criar um grupo nos moldes das arcádias, constituem a primeira geração literária brasileira.
A transição do Barroco para o Arcadismo se dá com a publicação, em 1768, do livro Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), um dos integrantes da Inconfidência Mineira. Entre os árcades se destacam ainda o português que viveu no Brasil e participou da Inconfidência Mineira, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), autor de Marília de Dirceu e Cartas Chilenas; Basílio da Gama (1741-1795), autor do poema épico O Uraguai; Silva Alvarenga (1749-1814), autor de Glaura; e Frei Santa Rita Durão (1722-1784), autor do poema épico Caramuru. Apesar do engajamento pessoal, a produção literária desses autores não está a serviço da política. A escola predomina até o início do século XIX, quando surge o Romantismo.